O Aedes aegypti pode não ser o único vilão da epidemia de zika. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz de Pernambuco, divulgada nesta quarta-feira, em Recife, constatou que os mosquitos da espécie Culex, os onipresentes pernilongos, são capazes de abrigar o vírus, encontrado também na glândula salivar dos insetos, aumentando a preocupação de que eles também possam transmitir a doença pela picada. A bióloga Constância Ayres, que está à frente do trabalho, chegou a essa conclusão depois de infectar em laboratório 200 Culex, os mosquitos mais disseminados em todo o Brasil e com uma população 20 vezes superior à do Aedes. Ela ressalta, no entanto, que ainda é cedo para afirmar que essa espécie possa infectar humanos. Segundo a pesquisadora, que é também vice-diretora de Ensino e Incentivo à Pesquisa da Fiocruz de Pernambuco, ainda são necessários mais estudos.
Para os pesquisadores, os Culex em circulação podem não estar contaminados. Segundo eles, ficou comprovada pelas experiências realizadas em laboratório apenas a capacidade vetorial do pernilongo, o que por si só já é preocupante.
A pesquisa foi divulgada durante o seminário “A, B, C, D, E do vírus zika”, que reuniu mais de 300 especialistas no assunto.
ESTUDO DE CAMPO AINDA SERÁ REALIZADO
Para descobrir se os Culex transmitem zika — o que poderia ajudar a explicar a rapidez com que a doença se propagou no Brasil —, é preciso ainda fazer uma pesquisa de campo, segundo Constância. Ela pretende, na segunda fase do estudo, coletar cerca de dez mil mosquitos (Aedes aegypti e Culex) em bairros com a maior incidência de zika em diversos municípios de Pernambuco, para verificar se eles estão infectados.
— Nas casas onde acontecem registros de casos de zika, estão sendo coletados mosquitos das duas espécies. Esse material vai para o laboratório, e fazemos testes moleculares para detectar o vírus. Com uma grande quantidade de amostras, poderemos saber se o Aedes é o vetor exclusivo, se existem outros vetores e qual a importância de cada um no papel da transmissão — afirmou Constância ao site G1.
Segundo a pesquisadora, serão necessários de seis a oito meses para o estudo chegar a uma conclusão, mas os dados preliminares já alarmam especialistas em todo o Brasil. Frisando que não conhece a pesquisa da Fiocruz de Pernambuco, Celso Ramos Filho, infectologista da UFRJ, diz que os brasileiros terão que enfrentar um grande problema se ficar comprovado que o Culex pode transmitir o zika.
— Ele (o Culex) existe em muito maior número que o Aedes. Quando uma pessoa vê um mosquito voando dentro de casa, é muito mais provável que seja um Culex do que um Aedes aegypit. Se ele realmente transmitir o vírus zika, não é uma boa notícia. O Culex é um mosquito que põe ovos em qualquer água, ao contrário do Aedes, que prefere a limpa.
Professor da UFRJ, o também infectologista Edmilson Migowski reagiu com preocupação aos dados preliminares da Fiocruz de Pernambuco. Segundo ele, um pernilongo ser encontrado com vírus zika é uma situação que pode acontecer, caso o mosquito pique uma pessoa com a doença. O difícil, diz ele, seria que o vírus se replicasse e atingisse a glândula salivar do Culex, justamente o que aconteceu no laboratório em Recife.
— Se está na glândula salivar, é porque o mosquito foi capaz de replicar o vírus. Se a pesquisadora tivesse apenas achado no tubo digestivo do Culex, seria indício de que ele tinha picado alguém infectado com a zika e ficado com o vírus no organismo por algumas horas. Mas, se passou para a glândula salivar, é outra história e bem preocupante.
Migowski lembra que o pernilongo é um mosquito de hábitos noturnos. Como o Aedes pica somente durante o dia, caso fique provada a capacidade de transmissão do pernilongo, isso significa que as pessoas estão correndo risco 24 horas por dia.
— Se isso ficar comprovado, não vai ter nem hora nem lugar a salvo — lamenta.
O pesquisador Davis Ferreira, vice-diretor do Departamento de Virologia da UFRJ, está ansioso para ver os resultados de Pernambuco. Há cerca de cinco meses, ele vem analisando mosquitos coletados na natureza, no Rio, sempre em duas áreas: as que têm Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e onde serão realizadas competições dos Jogos Olímpicos. Ferreira calcula que, até agora, tenha coletado cerca de 600 mosquitos Culex. Nenhum deles estava infectado com o zika.
— Nunca encontrei Culex com zika, dengue ou chicungunha na natureza. Quando se acha um mosquito com dengue, é porque ele acabou de picar alguém infectado. Mas o fato de a gente não ter encontrado não significa que não haja. Pode ter escapado. Se ficar comprovado que o Culex transmite zika, todos terão que tomar mais cuidado. O Culex é menos seletivo quanto ao lugar em que põe ovos. Escolhe água de esgoto, qualquer lugar. Precisará haver mais atenção para o saneamento básico — diz.
MINISTÉRIO DIZ QUE É PRECISO PESQUISAR MAIS
O Ministério da Saúde comentou ontem a descoberta da Fiocruz. Em entrevista à Rede Globo, Claudio Maierovitch, diretor de Vigilância das Doenças Transmissíveis do órgão, disse que os primeiros resultados da pesquisa mostram ser possível que os mosquitos comuns abriguem o vírus zika, mas que isso ainda não muda as estratégias de combate à doença:
— Por enquanto, isso não tem significado prático. Precisa estudar mais. Eles não foram retirados do ambiente com vírus, foram infectados intencionalmente, e o zika foi capaz de sobreviver no organismo desses mosquitos.
Segundo ele, o grande vetor da doença ainda é o Aedes.
— O esforço para ser feito é reduzir a população de Aedes. Se houver novidades pela frente, teremos que agregar novos fatores às estratégias de combate..
PACIENTES COM GUILLAIN-BARRÉ TERAO 20 LEITOS
O Estado do Rio terá uma unidade especial para atender pacientes diagnosticados com a síndrome de Guillain-Barré, doença neurológica que provoca fraqueza muscular. Serão pelo menos 20 leitos de internação. A unidade servirá de referência para exames, inclusive a eletroneuromiografia, que ajuda a avaliar os danos provocados pela enfermidade. A informação foi dada ontem pelo secretário estadual de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Júnior.
Pesquisadores têm encontrado evidências de que a síndrome pode ser uma das complicações causadas pelo vírus zika, mas ainda não há estudos conclusivos.
— A expectativa é termos esses leitos disponíveis em até dez dias. O mais provável é que a unidade funcione no Hospital da Lagoa ou no Hospital Antônio Pedro (Niterói) — disse o secretário de Saúde.
Fonte: O Globo.