Os retrocessos cometidos em tempo e quantidade recorde pelo governo interino que se apossou do Brasil tem nos obrigado a voltar à lições colegiais. O mais novo passo para trás foi dada pelo ministro da saúde interino, Ricardo Barros, declarando que irá convidar a igreja para debater a questão do aborto no Brasil.
O Ministro reconhece a gravidade do problema do aborto, mas não podemos nos enganar sobre a razão de ser do convite: massagear a massa de eleitores religiosos, em comunhão não com ideias, ideais e melhorias, mas sim, com deputados e senadores e suas mãos gordas sobre a coisa pública. Barros ainda declara a pérola de que a constituição federal oferece “direitos” demais.
Não por acaso, ao longo de toda a entrevista a palavra “mulher” – grupo que de fato deveria ser convidado ao debate e à construção de uma nova legislação – só é dita uma vez, e para ilustrar uma estatística. A justificativa utilizada pelo ministro para o convite é de que a decisão do ministério não deve provocar resistência ou discussão.
Decisões governamentais não podem ser pautadas pela popularidade do tópico. Mudanças das mais importantes de nossa história, como o fim da escravidão e o voto feminino, foram tomadas pelo significado, por um novo projeto de país, pelo seu aspecto humano, pela justiça e pela igualdade – e não para evitar polêmicas e angariar votos. Convidar a igreja para participar de qualquer processo legislativo não só é mais uma vez contrariar a constituição, como basear a questão em preceitos excludentes, que não possuem nada de científico, nem se preocupam com a saúde e a liberdade da mulher sobre o próprio corpo.
Além disso, assim como no caso das drogas, qualquer pessoa informada e honesta sabe que o aborto na prática é legalizado no Brasil – porém, somente para as classes altas. São as mulheres pobres, em sua maioria negras, que sofrem e morrem nas mãos de açougueiros em clínicas de fundo de quintal.
O ministro interino Ricardo Barros é o mesmo que declarou a necessidade de se enxugar o Sistema Único de Saúde. A curiosa “coincidência” é o fato de que o maior doador de campanha de Barros é sócio de um gigante dos planos de saúde privados. É preciso olhar para a realidade, e faze-la mais justa e menos desigual. E isso não virá de preceitos religiosos, proselitismo político ou falsas promessas, mas sim, da legalização do aborto, conscientização sobre o assunto, e do controle de qualidade. O resto é cortina de fumaça e retrocesso.
Fonte: Hypeness