Quatro anos depois da derrota mais marcante e sofrida de sua carreira, Michael Phelps acertou as contas com seu algoz, superou uma de suas maiores frustrações e conquistou, na Olimpíada do Rio de Janeiro, sua 24ª medalha – a 20ª de ouro. Dar o troco no “abusado” e destemido sul-africano Chad Le Clos antes de se despedir definitivamente das piscinas era questão de honra. Foi ele quem, aos 20 anos, tirou de suas mãos o tricampeonato olímpico nos 200m borboleta em Londres e, desde então, virou uma pedra no sapato. No último ano, os dois mandaram alguns recados dentro d’água e trocaram muitas farpas fora dela até chegar ao tão esperado 9 de agosto de 2016: o dia do tira-teima, o dia da revanche, o dia da redenção.
A noite inesquecível na carreira de Phelps foi coroada da maneira que mais gosta: voando na piscina. Uma hora depois de vencer a suada final dos 200m borboleta, o astro americano de 31 anos voltou para água e deu todo o fôlego que havia sobrado da prova individual, para fechar o revezamento 4x200m livre dos Estados Unidos com vitória, colocando mais uma medalha de ouro olímpica no peito: a 21ª.
– Eu não me importo com o tempo. Só estou feliz por conseguir. É muito mais difícil do que era antes, mesmo depois de uma hora. Foi um desafio. Eu estou ansioso para o restante da semana. Estou feliz por não ter terminado ainda. Amanhã (quarta) vai ser divertido – disse o nadador, referindo-se no fim à prova dos 200m medley. Ele ainda nada no Rio os 100m borboleta e o revezamento 4x100m medley.
Acerto de contas com Chad Le Clos
Era a última chance de Michael Phelps recuperar o alto do pódio na prova que o revelou para o mundo. Foi nos 200m borboleta que, aos 15 anos, terminou em quinto lugar em Sydney 2000. Foi também nela que bateu o seu primeiro recorde mundial, no mesmo ano da estreia olímpica, chocando o mundo do esporte. Em Atenas 2004 e Pequim 2008, buscou a medalha de ouro, mas em Londres 2012, Chad Le Clos resolveu desafiar a lógica e o maior nadador de todos os tempos.
Quando subiu no bloco para a final desta terça, o americano sabia que precisava tirar da cartola uma performance incrível para não desperdiçar sua última chance de recuperar o trono da prova. Aos 31 anos, o americano chegou ao Rio de Janeiro apenas com o sexto melhor tempo do ranking mundial (1m54s84). Na hora “H”, porém, a genialidade de Phelps pesou. Com sangue nos olhos, o americano abriu vantagem para os rivais desde o início da prova e manteve a vantagem. Nos últimos 50 metros, Chad Le Clos apertou as braçadas e chegou bem próximo do rival. Os húngaros Laszlo Cseh e Tamas Kenderesi também estiveram perto do ouro no fim.
E o japonês Masato Takai tentou correr por fora e assustou na chegada. Mas hoje ninguém ganharia de Phelps. Ninguém ganharia do maior do mundo.
– É marcante. Não só por sua idade, mas por tudo o que aconteceu desde Londres, e toda a totalidade (das conquistas). É incrível. Tudo dele estava ali. Era aquilo. Focado, mesmo sob uma pressão enorme, e conseguiu – resumiu Bob Bowman, técnico de Phelps desde os 11 anos.
Phelps aguentou a pressão dos rivais até o fim e foi o primeiro a bater na parede com o tempo de 1m53s36. Quando viu o número 1 ao lado do seu nome no placar, extravasou a alegria e o alívio de se livrar de uma das poucas frustrações de sua vitoriosa carreira. Subiu na raia, levantou os braços para o alto, gritou e vibrou muito. O 20º ouro veio de forma especial. O japonês Masato Sakai levou a prata (1m53s40), e a revelação húngara Tamas Kenderesi completou o pódio (1m53s62). Le Clos acabou fora, em quarto (1m54s06).
Se na piscina a explosão foi de alegria, no pódio, foi a vez de colocar para fora a emoção. Sempre contido, o americano permitiu-se, dessa vez, deixar o jeitão formal de lado para dar espaço a um Phelps que vem descobrindo nos últimos tempos, desde que começou a reagir de uma profunda depressão. No início, até tentou controlar às lágrimas como podia. Foi em vão. Quando começou a tocar o hino nacional americano, o choro tornou-se inevitável. Com a mão no peito, se emocionou acompanhando a bandeira dos Estados Unidos subir e saiu do pódio balbuciando: “Inacreditável”. Dali, foi dar um beijo emocionado em seu maior prêmio: o filho Boomer, de 3 meses. A mãe Debbie e a mulher Nicole Johnson também ganharam. A torcida brasileira acompanhou tudo sem parar de aplaudir.
Fôlego para mais um
O choro precisou ser enxugado rápido. A máquina precisava ficar pronta de novo para acelerar. Phelps saiu do pódio e foi direto para a sala de espera dos atletas. Os amigos Conor Dwyner, Townley Haas e Ryan Lochte o esperavam para fazer parte também da história, na final do 4x200m livre. Depois da correria, o astro ainda teve tempo para trocar a touca que rasgou na hora de vestir e de dar uma conferida no celular, sentado na cadeira, enquanto o trio deixava o caminho rumo ao ouro de número 21 mais claro na sua frente.
Quarto a entrar na água, manteve o bom ritmo do time e bateu outra vez em primeiro, com o tempo de 7m00s66. A Inglaterra e o Japão levaram a prata (7m03s13) e o bronze (7m05s50).
Exausto depois da maratona de provas, mal teve forças para comemorar a vitória como fez nos 200m borboleta. Quando saiu da piscina, vibrou com os companheiros de time, mas logo sentou no bloco de partida para tentar recuperar o fôlego. Dez minutos depois, lá estava ele no alto do pódio de novo. Os olhos voltaram a brilhar, a emoção tomou conta outra vez, mas agora não teve choro. Phelps, aliás, saiu do pódio gargalhando, depois de perceber a brincadeira de um amigo na arquibancada na hora do hino.
Fonte: Globo Esporte