Acadêmicos de direito escrevem artigo discutindo sobre a filiação socioafetiva, assunto atual e que vem gerando muitos debates na atualiadade.
O DIREITO SUCESSÓRIO NA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
José Diogo da Silva Flor1
Pedro Victor Dias Ferreira Dantas2
Ronyeldson Alves Farias3
Saulo Sousa Guimarães Leôncio4
Vanessa Barros Costa5
RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de demonstrar o estudo científico da filiação socioafetiva e o direito sucessório. O instituto da família modificou-se com o passar do tempo e trouxe para o ordenamento jurídico novas formas de constituição de família, neste contexto surge a figura do filho socioafetivo, que, de acordo coma Constituição Federalse equipara ao filho biológico, não podendo haver nenhuma distinção entre eles, entretanto este entendimento não é totalmente pacificado pela doutrina e jurisprudência levando dessa forma, a grandes discussões acerca do tema. Dessa forma, será feito um estudo bibliográfico, jurisprudencial e doutrinário,que terá como resultado aconsolidaçãodo entendimento a respeito da filiação socioafetiva bem como do direito de sucessão.
Palavra-Chave: Filiação. Socioafetividade. Sucessão. Direito. Igualdade.
INTRODUÇÃO
O conceito do instituto família sofreu grandes mudanças com o passar dos anos, e já não pode ser considerado o mesmo de décadas atrás. Antes era tido como base, um pensamento mais retrógrado, onde, apenas se considerava família a entidade formada por um pai, uma mãe e seus filhos. Porém a sociedade demonstra que esta não é a efetiva realidade, pois há a existência de diversas formações de família, como as monoparentais, anaparentais, pluriparentais, formadas por união estável, por casamento, entre diversas outras.
Além das possibilidades de filiação consanguínea e adotiva, uma nova forma de paternidade vem sendo admitida como legítima, e, deste modo, podendo ser regulada pelo Direito: A socioafetividade. Para este modelo de paternidade, o laço consanguíneo não é relevante, tampouco a lei que os define como pais e filhos. O que importa neste caso é a afeição mútua e o sentimento de “ser pai” ou “ser filho” que uma pessoa sente pela outra.
A constituição deixou destaforma, de apresentar qualquer distinção, predileção ou prioridade proveniente da origem da filiação existente entre os filhos.
O princípio da afetividade entra no ordenamento jurídico com toda força com a finalidade de mostrar que o que importa realmente são os laços de amor, afeto e carinho existentes na relação familiar, este princípio está amparado no art. 226 § 4º, 277, caput, § 5º c/c § 6º da.Constituição Federal
Com todas essas mudanças a filiação socioafetiva ficou mais amparada, na isonomia do tratamento entre os filhos, entretanto, dentro de toda a dita igualdade entre eles, existe, ainda, um efeito gerado pela filiação, que é o direito patrimonial, que não está devidamente normatizado, dependendo assim, do bom senso do julgador.
Existem correntes que são contrárias aos efeitos patrimoniais dados aos filhos afetivos, mas essa ideia não estaria indo de encontro com o princípio da igualdade entre os filhos, já que a isonomia é garantia constitucional. Vê-se que o afeto não pode mais ser simplesmente ignorado e que diante dos direitos patrimoniais e da igualdade existente entre os filhos, não pode o direito rejeitar o fato de que o direito sucessório ao filho afetivo pode ser reconhecido.
2.DA FILIAÇÃO
Segundo Silvio Rodrigues: “Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa aquela que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado. ” Há uma definição que abrange as possibilidades de reprodução assistida é a seguinte: Filiação é “a relação de parentesco em linha reta de primeiro grau que se estabelece entre pais e filhos, seja essa relação decorrente de vínculo sanguíneo ou de outra origem legal, como no caso da adoção ou reprodução assistida como utilização de material genético de outra pessoa estranha ao casal. ” Esta definição encontra-se em concordância com o artigo 1596 CC. (2002, p. 323).
Portando, a filiação é a relação de parentesco biológica e/ou afetiva entre pais e filhos. Uma vez que a relação significa o laço existente entre algo ou alguém, neste caso entre pais e filhos. Assim sendo, filiação é o laço marcado não só dos pais com aqueles em que deram origem, mas sim dos pais com aqueles que possuem uma ligação sentimental, de afeto e carinho.
Atualmente, de acordo com PERLINGIERI (2002) família é: “formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes. ”
3.DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
3.1 Histórico e Conceito
Dentre as várias relações de parentesco, a filiação é sem dúvida a mais relevante, a qual se estabelece por meio de conexão existente entre pais e filhos, denominado de paternidade ou maternidade, sob a ótica dos pais. Com isso a filiação é a estrutura de constituição dos núcleos familiares, bem como um mecanismo de completa realização e valorização da pessoa humana (FARIAS e ROSENVALD, 2008, p. 475).
Importante observar que, para a constituição do vínculo não é necessário que este decorra de origem biológica, ou seja, o filho para ter o direito de proteção legal e fazer jus ao reconhecimento da filiação não é preciso haver presença de ligação consanguínea entre ele e o pai, uma vez que seu item indispensável “está na vivência e crescimento cotidiano, nessa mencionada busca pela realização e desenvolvimento pessoal (aquilo que se chama, comumente, de felicidade)” (FARIAS e ROSENVALD, 2008, p. 476).
Maria Helena Diniz (2009, p.515), faz a seguinte observação:
O importante, para o filho, é a comunhão material e espiritual; o respeito aos seus direitos da personalidade e à sua dignidade como ser humano, o afeto; a solidariedade; e a convivência familiar, para que possa atingir seu pleno desenvolvimento físico e psíquico, sua segurança emocional e sua realização pessoal.
Deste modo, ainda que a filiação não mantenha correspondência com o vínculo biológico, todos os filhos gozarão de proteção integral e terão os mesmos direitos e qualificações, independentemente de sua origem, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, consoante mandamento constitucional, insculpido no art. 227, § 6º (ALMEIDA e RODIGUES, 2012, p. 42).
3.2 As espécies de paternidade socioafetiva
A paternidade socioafetiva, segundo a corrente doutrinaria majoritária há três classificações: a adoção, a posse do estado de filiação e a técnica de reprodução heteróloga. Preceitua Paulo Luiz Netto Lôbo (2009, p. 93), direitos de filiação e, por conseguinte, deveres de paternidade “envolvem a constituição de valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente na convivência familiar durante a infância e a adolescência”.
No que tange à paternidade socioafetiva manifestada através da adoção, destacar que a lei impõe um procedimento próprio que culmina no dispositivo do art. 1.626 do Código Civil. A relação de parentesco constituída pode ser estendida não somente entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e seus descendentes e entre o adotado e todos os parentes do adotante (art. 1.628 do Código Civil).
A adoção impõe a condição de filho ao adotado com os mesmos direitos e deveres dos filhos consanguíneos, transferindo o poder familiar, abolindo uma filiação e criando e outra, nos termos do artigo 1618 a 1629 do Código Civil. Para que não exista discriminações, a lei determina um sistema de reconhecimento da filiação por meio de presunções: conclusões que se tiram de um fato certo para a prova de um fato escondido (DIAS, 2007, p.323).
Posse do estado de filho, Maria Berenice Dias (2007) garante que a noção de posse de estado de filho não se instala com o nascimento, mas num ato de querer, que se deposita no campo da afetividade, colocando em risco tanto a verdade jurídica, quanto à certeza científica na afirmação da filiação.
O doutrinador José Bernardo Ramos Boeira (199, p.60) conceitua: “A posse de estado de filho é uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai. ”
Há uma grande divergência doutrinária acerca de se a posse de estado de filho e seus elementos são questões de fato ou de direito.
3.3 Paternidade Socioafetiva
O atual modelo de família brasileira valoriza um fator indispensável em sua formação: o amor e o afeto.A afetividade é traduzida, no respeito de cada um por si e por todos os membros – a fim de que a família seja respeitada em sua dignidade e honoralidade perante o corpo social – é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores características da família atual. (OLIVEIRA, 2002, p.233).
O vínculo de sangue tem um papel definitivamente secundário para a determinação da paternidade; a era da veneração biológica cede espaço a um novo valor que se agiganta: o afeto, porque o relacionamento mais profundo entre pais e filhos transcende os limites biológicos, ele se faz no olhar amoroso, no pegá-lo nos braços, em afagá-lo, em protegê-lo, e este é o vínculo que se cria e não que se determina. ”
A paternidade envolve um elo de um amor filial, a criação de ambiente favorável para o crescimento físico, cultural, social, mental, espiritual, e moral da criança em desenvolvimento, a educação da família de forma sadia e com qualidades de liberdade e dignidade (FACHIN, 2003, p. 186).
Com isso, a real paternidade não é aquela biologica, pois o vínculo de amor, que se trata com os pais é afetivo, de amor, portando pais podem e na maioria das vezes não são biológicos (MOREIRA, 2002).
Com essa nova definição de paternidade, pai ou mãe não é apenas aquele que contribui com o material genético para a concepção do individuo. E sim aquele que esta sempre por perto, ajudando a criança a ter uma vida melhor, tanto financeiramente como emocionalmente, pai é aquele que exerce as funções de pai e mãe (VELOSO, 1997, p.215).
3.4 Prevalência da filiação socioafetiva
Com base nesse conceito de paternidade, várias lacunas no direito de família foram preenchidas, pois o vínculo biológico jamais poderá se ressaltar, a um vínculo existente de amor e carinho entre um pai e um filho. (PEREIRA, 2003, p. 8).
A filiação socioafetiva depara real apoio nas normas constitucionais sobre direito e família, passa a ter a assento infraconstitucional no art. 1.593 do Código Civil, que menciona a possibilidade de embasar-se o parentesco na consanguinidade ou em "outra origem", locução que engloba a origem afetiva (FACHIN, 2003, p. 17).
4. DO DIREITO SUCESSÓRIO
Com a morte há uma quebra de vínculo com os domínios dos bens, ou seja, a vida corpórea acaba. Contudo, os bens matérias, estão ligados a vida material da pessoa, os quais são necessários que a sucessão da mesma, com isso há a necessidade que os sucessores assumam a titularidade (RIZZARDO, 2006, p. 1).
É um direito assegurado na CF de 1988, no artigo 5º, XXX “é garantido o direito de herança; ”. E está previsto nos artigos 1.784 a 2.027 CC de 2002.
4.1 A sucessão dos descendentes no Código Civil de 2002
Os descendentes são os primeiros da classe de sucessão a serem chamados para a sucessão, como mostra o artigo Art. 1.829:“I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; ”.
4.2 O Direito Sucessório decorrente da filiação socioafetiva - Entendimento dos Tribunais
Decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sobre a desconstitucionalização da paternidade socioafetiva, que afirma:
EMENTA: APELAÇÃO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Descabido anular o registro e paternidade, ainda que o apelante não seja o pai biológico da apelada. Quando o registro foi feito o apelante sabia não ser o pai biológico. E ademais sempre criou a apelada como filha, o que consubstancia a paternidade socioafetiva. NEGARAM PROVIMENTO. BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 700016096596. Rel. Rui Portanova. Porto Alegre, 26 de outubro de 2006.
No mesmo sentido, outra decisão do mesmo Tribunal:
EMENTA: (...) Inadmissibilidade o uso da ação negatória de paternidade pelo pai registral visando a desconstituir o vínculo parental que livremente assumiu. Comprovado estado e filho, não se justifica a anulação de seu registro de nascimento. Reconhecimento da paternidade que se deu de forma regular, livre e consciente, mostrando-se a revogação juridicamente impossível, após já contar o menor com 15 anos de idade. RECURSO DESPROVIDO. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70014180319. Rel. Ricardo Raupp Ruschel. Porto Alegre, 6 de agosto de2007.
Os nossos tribunais têm entendido:
“Embargos Infringentes. Ação de Anulação de Registro deNascimento Cumulada com Negatória de Paternidade. Paternidade Socioafetiva. Em prevalecendo a paternidade socioafetiva entre o falecido pai registral e o réu, perfeitamente delineada nos autos, além de incomprovado defeito no ato registral, improcede a ação, ainda que a perícia genética tenha excluídos os autores como avós paternos do réu. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. Embargos desacolhidos. (Embargos Infringentes nº 70013567888, Tribunal de Justiça do RS, relator José AtaídesS.Trindade)”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A paternidade socioafetiva não é um ato formal, é uma relação erguida pelos vínculos que se desenvolvem entre o filho e seu pai socioafetivo. No caso real não há relação socioafetiva quando não atende as hipóteses de validade, ou seja, o tratamento recíproco, a convivência, o afeto, e a admissível constância da provável relação entre pai e filho.
Na atual sociedade, o modelo contemporâneo de família é aquele onde há o afeto, o carinho, a convivência, ou seja, é muito mais um aspecto social do que biológico.
A sociedade é uma eterna mudança, e hoje o que mais se leva em conta é o bem-estar das pessoas e não o nome patriarcal o qual se teria filhos, hoje o filho há um querer e um bem a ser protegido, se é levado mais em conta o bem-estar da criança e do adolescente.
O convívio familiar é de suma importância, o bem-estar dentro do seio familiar é muito mais relevante, do que o vínculo biológico, uma criança que sempre reconheceu aquela pessoa com a figura paterna/materna, não terá como simplesmente com um exame de DNA, que nuncafoi o pai, pois ninguém deixa de ser pai/mãe ou de ter um filho da noite para o dia, o vínculo sentimental existente é importantíssimo, e é prevalente a qualquer vínculo biológico que existe.
Ainda há várias lacunas a serem preenchidas pelo nosso ordenamento, pois como podemos observar a legislação ainda é bem limitada, vez que não há de forma expressa a paternidade socioafetiva no nosso ordenamento.
Contudo, percebemos uma evolução enorme, já que um filho havido fora do casamento, ou até mesmo uma adoção não era tratado de forma igual.
REFERÊNCIAS
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CAMBI, Eduardo. O Paradoxo da Verdade Biológica e Sócio-Afetiva na Ação Negatória de Paternidade, Surgido com o Exame do DNA, na Hipótese de “Adoção à Brasileira”. Jornal Síntese, Porto Alegre, v. 59.
DIAS, MARIA Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed.,ver., atual e ampl. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10-1-2002). São Paulo, Saraiva, 2002. v. 5: direito de família.
KATAOKA, Eduardo Takemi. Direito das Sucessões. v. , 2010.
FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Sérgio Antonio Fabris,1992.
FRAUZINO, Marivaldo Cavalcante. Adoção de fato e a família sócio-afetiva. [S.I], 2006.
LOBO, Paulo Luiz Netto. Código Civil Comentado. Vol. XVI. Editora Atlas, 2003.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 4. ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1998. v. 9.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 2. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2006, v. 1.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 27. ed. atualizada por Francisco José Cahali; com anotações sobre o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10-1-2002). São Paulo, Saraiva, 2002. v. 6: direito de família.