05 / 08 / 2023 - 10h24
"Cenário é crítico, mas mudanças na Educação não são quebra galho"

Renato Janine Ribeiro, 65 anos, sabia o tamanho do desafio que o esperava ao aceitar o convite da presidenta Dilma Rousseff para assumir o Ministério da Educação (MEC), lançado aos holofotes após a governante, em seu discurso de posse do segundo mandato, se comprometer a fazer do Brasil uma “Pátria Educadora”. A indicação do professor de ética e filosofia da Universidade de São Paulo (USP), no final de março, para o cargo foi bem recebida por educadores e especialistas, que enxergaram no acadêmico uma opção melhor para a pasta que o ex-governador do Ceará Cid Gomes, que deixara a função menos de três meses depois de assumir a pasta após protagonizar um bate-boca no Congresso.

O ministro recebeu o EL PAÍS na última quinta-feira (11) em seu gabinete em Brasília, onde conversou com a reportagem por 50 minutos. Acostumado a lidar com a imprensa -autor de diversos livros, ele foi colunista durante quatro anos do jornal Valor Econômico e frequentemente dava entrevistas como analista político a grandes veículos de comunicação -, Janine falou sobre sua experiência de estar do outro lado do balcão. Sobretudo em meio a um cenário adverso: o país está em crise e a pasta sofreu um dos maiores cortes, em termos absolutos, anunciados pelo Governo (o MEC terá 9,4 bilhões de reais a menos para investir neste ano); servidores e professores de várias universidades federais estão em greve e as aulas foram suspensas; e gestores já temem não conseguir cumprir as metas do Plano Nacional de Educação, pactuado em 2014.

Janine Ribeiro disse que não haverá cortes nas verbas de custeio para as universidades federais, mas admitiu que outras mudanças serão necessárias. Entre as já sabidas estão o aumento dos juros do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e a redução da faixa de renda familiar dos estudantes contemplados.

Pergunta. Um pouco antes da sua indicação para a pasta você disse que um dos problemas no Governo era a dificuldade de comunicação e como a presidenta Dilma “ofuscava os ministros”. Estando agora do outro lado do balcão, mantém a mesma opinião?

Resposta. Quando a presidente me recebeu no dia 27 de março, ela veio muito sorridente, e me disse: "O senhor não precisa falar nada. Nós sabemos tudo a seu respeito". E eu entendi: “O senhor não precisa se justificar, explicar, desculpar-se, dizer que mudou de identidade, porque o senhor está sendo chamado pela pessoa que o senhor é”. Eu senti logo de início uma disposição muito grande dela de aceitar as críticas, que é exatamente o contrário da imagem que dela se tem. Não foi solicitado nenhum tipo de desmentido ou negação. Eu voto no PT há tempos, nunca fui filiado a partido algum, mas se eu voto no PT não é porque é o PT. É porque eu acredito que, a cada eleição em que eu votei, o partido tinha as melhores propostas, o que nunca me impediu de criticá-lo. Eleição não é uma situação, no meu entender, de aderir 100% a uma candidatura. É uma situação de, no contexto, você considerar que aquela candidatura é a melhor. Com todo o histórico que o PT tem de inclusão social, eu penso que ele continua sendo o melhor partido para governar o Brasil. Agora, há erros. Há pontos que podem ser tratados de outros jeitos.

P. Estando agora no Governo, pensa em se filiar ao PT ou a algum partido?

R. Eu nunca fui filiado a nenhum partido e no presente momento não estou pensando nisso. A minha missão é esse trabalho da educação. Agora, eu sempre fui uma pessoa de esquerda e mantenho meus valores de esquerda.

P. O cenário era de crise e você já sabia do desafio que enfrentaria ao aceitar o convite…

R. Claro, eu leio os jornais (risos). Seria uma coisa absurda, seria desonesto até nessa altura, com essa oportunidade, recusar o convite para ficar no conforto da crítica. Houve até comentários, o que mostra a confusão mental de algumas pessoas, de gente que dizia que era um absurdo eu assumir um cargo no Governo em uma hora dessa. Você assumir um cargo no Governo quando se tem muito dinheiro é muito mais fácil. O desafio é assumir quando está com dificuldade de dinheiro. Porque nesse caso há o difícil trabalho de persuadir as pessoas de que as coisas vão demorar mais tempo. Outro desafio é o de melhorar a qualidade dos gastos e dos programas. O Governo vai fazer o que ele se comprometeu a fazer. (…) Mas faz parte da política: você não vai renegar os compromissos, projetos e etc., mas tem de pedir paciência. Porque existem fatores supervenientes e que estavam fora do seu controle e que exigem um reescalonamento.

P. O corte no Orçamento da pasta, na proporção que ele veio, te surpreendeu?

R. Negociamos muito o corte. Foi menor do que se pretendia inicialmente. Mas nenhum programa foi cortado. Alguns programas foram adiados. As obras que não foram iniciadas foram ou serão adiadas. As obras que estavam licitadas e avançadas serão concluídas. O custeio das instituições federais está garantido. Mas há situações mais delicadas, quer dizer, existem vagas, existem necessidades de contratar pessoas, e essas vão ser atendidas na medida do possível... Estamos negociando para ver se conseguimos atender ao máximo. Alguns programas, por exemplo... O Ciência sem Fronteiras possivelmente será aberto no final do ano, então não abriremos a próxima edição sem ter uma clareza de quando teremos dinheiro para pagar, porque é um programa caro, que está mudando a cara da universidade brasileira. Mas os contemplados na edição atual já estão viajando, a partir de junho. Isso nós garantimos. Agora você veja, a nova edição do FIES (anunciada no início de junho, cujo foco será os cursos de formação de professores, além das áreas da saúde e engenharia, nas regiões Norte e Nordeste) atende a princípios diferentes das edições anteriores. Por quê? Não é que as edições anteriores do FIES estivessem erradas, é que existe algo muito importante no mundo da educação que é o ensaio e erro. Nós fizemos experiências, foram bem sucedidas, aí notamos que existem aprimoramentos, que teriam que existir em qualquer situação.

P. Independentemente da crise atual?

R. Independentemente da crise teria que haver. Nenhuma dessas mudanças é emergencial. Nenhuma delas visa quebrar o galho pela falta de dinheiro. Não é essa a lógica. São aprimoramentos mesmo. Agora, é claro que algumas dessas medidas poderão ser revistas se a gente notar que elas foram tímidas ou audaciosas demais. Nós temos as duas possibilidades. Por exemplo, o número de vagas que foram para as áreas de engenharia, formação de professores e da saúde está em 55%. Mas esse número não é muito preciso. (…) Se a gente perceber que talvez o melhor seja elevar para 65%, talvez seja uma possibilidade. É nesse sentido que as coisas podem mudar.

P. E o aumento de juros cobrados no crédito estudantil (atualmente em 3,4% ao ano). Onde ele entra nessa história? Não é uma consequência do cenário de crise?

R. O aumento de juros entra numa visão mais realista das coisas. Não está definido ainda de quanto vai ser. É uma correção que precisava ser feita.

P. Você declarou recentemente que em época de vacas magras tem que aproveitar para fazer muitas discussões e melhorias. A que tipo de discussões se refere?

R. A fase de discussões pra valer começa agora. Porque desde que eu assumi nós tivemos a Coreia (o Fórum Mundial de Educação, que aconteceu em Incheon, na Coreia do Sul, promovido pela Unesco), que foi algo extremamente importante. O Banco Mundial nos apresentou como modelo de sucesso. O responsável pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), Andreas Schleicher, fez questão de apontar os avanços do Brasil. Olhando internacionalmente o Brasil não é o mesmo que o visto aqui pelas pessoas de má fé. De má fé eu não diria... Das pessoas de má informação... Isso tudo na mesma semana em que o orçamento estava sendo redefinido, em que as greves estavam pipocando, é um pouco difícil você definir uma agenda de mudança, mas essa agenda de discussão a gente pretende retomar neste mês ou em julho.

P. E o que vai envolver?

R. Tudo.

P. Tudo o quê?

R. Quero discutir tudo mesmo. Você tem os pontos macros e os pontos pontuais. Pontos macros, por exemplo: a creche. Como deve ser? Nós temos creches no Brasil muitas vezes financiadas pela União e que a prefeitura não fez sua parte, não colocou equipe. Então você não pode mais construir uma creche sem ter certeza que vai ter manutenção. Não pode. Isso tem que acabar. Qual a formação desejada para um um cuidador de creche? Como nós garantimos que essa formação exista? Nós temos que discutir. Outra discussão: Ensino Médio, como deve ser? Há uma discussão que tem um elemento ideológico que é se há matérias em demasia no ensino médio ou o problema é outro? Se for um problema de organização dos professores, você precisa de diretores que saibam dialogar. Temos um projeto de formação de diretores em processo de elaboração. (...) Essas questões são estruturais, tem a questão do orçamento, e há outras pontuais, que são muito importantes. Por exemplo, a violência nas escolas. Quais as dimensões disso e quais as ações dos Estados, municípios e da União para lidar com a violência contra os professores em sala de aula? É preciso agir. Há um consenso geral de que a visão repressiva na escola não é a melhor. Mas como você faz de outro modo?

P. Você citou a questão das creches. E a primeira meta do Plano Nacional de Educação prevê que até o ano que vem todas as crianças de 4 e 5 anos e pelo menos metade das crianças de até três anos estejam na escola.Você acredita que essa meta será cumprida?

R. O Plano Nacional de Educação tem no MEC o seu protagonista, cabe ao MEC organizá-lo, dirigi-lo, mas eu não lembro de metas no Plano Nacional de Educação que digam que o MEC vá fazer tudo. Essa meta de creches, por exemplo, é dos Estados e municípios que serão ajudados pelo ministério. Então é uma responsabilidade de todos. Isso é muito importante colocar: o PNE é nacional, não é nem federal. Não é o MEC que tem que fazer isso sozinho. O que eu acho que está acontecendo às vezes é um grande engano. Então o que o MEC pode fazer? Primeiro, ele dá saber, saber técnico e etc. Segundo ponto: o dinheiro. A gente pode colocar dinheiro, e isso deve ser feito sempre a partir de critérios. A União pode e deve fazer isso. Mas constitucionalmente ela não tem o poder de mandar na educação básica. Estados e municípios devem fazer isto.

P. Mas como puxar os Estados e municípios a cumprirem suas metas? Principalmente no tocante ao ensino médio, que é uma das grandes deficiências do Brasil?

R. Nós não temos uma visão punitiva. O que nós podemos fazer é estabelecer metas e se eles não cumprem, não terão o recurso, a não ser que tenham uma proposta de ajuste. Veja, há duas razões para você não cumprir uma meta. Uma razão é a ineficácia, desinteresse, falta de empenho, etc. A outra razão é que a situação pode estar muito difícil. Vamos pegar as escolas com os piores notas no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Geralmente essas escolas estão em municípios com o IDH muito ruim.

P. A crise que o Brasil enfrenta ameaça, no seu ponto de vista, o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação no longo prazo?

R. É muito difícil dizer isso agora, porque nós tivemos 12 anos de êxito nas nossas políticas educacionais. Este ano está sendo um ano crítico. Agora, tudo indica que nós teremos uma retomada das atividades econômicas em patamares mais altos no ano que vem. Quão altos vão ser a gente não sabe. Então depende muito do que vai acontecer ainda.

P. Outro ponto afetado pelo ajuste é o Pronatec.

R. Vamos oferecer um milhão de vagas.

P. Mas ainda assim isso representa um terço do que era ofertado. E essa era uma das bandeiras de campanha da presidenta Dilma…

R. Sim, mas de qualquer forma, se nós temos que recalibrar isso, nós vamos passar por esse ano difícil e no ano que vem melhorar. Veja, o Pronatec esse ano vai abrir mais de 1 milhão de vagas. Isso não é pouca coisa. Em um semestre, atendemos 252 mil (estudantes pelo FIES), não vamos dobrar esse número, mas pretendemos colocar mais vagas no FIES. Qual país num ano de crise mantém esses programas desse tipo, que são discricionários, que a gente poderia simplesmente fechar? No caso do Pronatec, nós pretendemos fazê-lo operar o mais cedo possível em sua máxima capacidade. Esse ano não é o mais cedo possível.

P. Mas a sua avaliação então é a que, em ano de crise, vale para a educação também a máxima do discurso da presidenta Dilma de que é preciso ter paciência?

R. Não é ter paciência só, é vamos estudar. Vamos aprofundar. Não é a gente dizer “bom, vamos passar o ano esperando o dinheiro chegar, olhando para a tela”. Não, é um ano para a gente avaliar os programas e ver onde a gente pode investir melhor. O que está indo bem e o que não está indo bem. Nós dispomos, nós com o Planejamento, de ferramentas para ir calibrando isso. Não é só paciência. É uma questão de aproveitar tudo isso para rever instrumentos. (…) Eu acredito muito no papel dos Estados e municípios, porque assim você tem melhores resultados. Você tem mais stakeholders interessados em fazer a educação no Brasil dar certo. A alternativa a isso é o que? É você ter uma burocracia em Brasília regendo dois milhões de professores e responsável por 50 milhões de alunos. Assim como a saúde, a educação tem que ter compromissos locais. Tudo isso nós temos que estruturar. Nós temos um grande exemplo de sistema que funciona que é o SUS (Sistema Único de Saúde). O sistema nacional de educação será um novo SUS? Claro que não. Mas ele pode tentar se espelhar no que há de melhor no SUS e discutir? Pode. Está na hora de construirmos um modelo nacional de educação que seja bom.

P. E qual a sua opinião sobre o slogan Pátria Educadora? Não pode ser um tiro no pé do Governo, visto que ele tem sido usado com ironia sempre que se apontam os problemas do Brasil nesta área?

R. É um slogan que a presidente escolheu que me parece importante. Porque as pessoas atentam muito ao Educadora, e se esquecem de Pátria. A palavra pátria foi muito mal utilizada pelo lado conservador. Uma canção acho que do Chico Buarque fala mais ou menos assim, “a nossa pátria tão gentil estava sequestrada”. Quer dizer, a pátria foi sequestrada pela ditadura, pelo conservadorismo, mas a pátria é o que vincula todos nós, é o que está para além dos partidos. Então o slogan é bom na medida que ele vincula a pátria, essa ideia acima dos partidos, com uma ação que a sociedade brasileira cada vez mais afirma como prioritária que é a ação educadora.

Fonte: El Pais